Órgão Especial nega pedido de entidades de servidores sobre leis da previdência estadual

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Em sessão de julgamento realizada nesta semana de forma semi-presencial, os Desembargadores do Órgão Especial do TJRS negaram provimento ao recurso interposto pela Associação dos Juízes do RS (AJURIS) e outras entidades representativas de servidores estaduais contra a liminar parcial concedida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas em face de Lei Complementar nº 15.429/2019 e a Emenda Constitucional 78/2020.

Caso

As entidades ingressaram com recurso contra decisão liminar que suspendeu parte da Lei Complementar nº 15.429/2019 e da Emenda Constitucional 78/2020, que tratam da alíquota de contribuição previdenciária dos servidores estaduais.

Na decisão liminar do relator, proferida em março, o Desembargador Eduardo Uhlein foi determinado que:

- “Conferir aos artigos 10-A, § 5º e 15, § 5º, ambos da Lei Complementar nº 13.758/2011, com a redação que lhes deu a Lei Complementar nº 15.429/2019, interpretação conforme à Carta Constitucional Estadual segundo a qual sua aplicabilidade depende de ampla e posterior apuração do estado de persistência do déficit atuarial dos regimes financeiros do RPPS, nos termos explicitados na fundamentação, restando suspensa sua vigência imediata, assim como a do art. 4º da Lei Complementar nº 15.429/2019, bem como, por arrastamento, a do art. 3º do IN IPE PREV nº01/20;

- “Suspender, até final julgamento, a expressão “desde que tenham sido cumpridos os requisitos de idade mínima até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional e os demais requisitos para obtenção desses benefícios até a data da entrada em vigor da Lei Complementar nº 15.429, de 22 de dezembro de 2019” constante do art. 5º da EC 78/2020”.

- Demais pedidos de inconstitucionalidade não foram reconhecidos na decisão liminar, o que gerou o recurso julgado na última segunda-feira.

No recurso (agravo interno) foram apresentados os seguintes argumentos:

- O estabelecimento de alíquotas progressivas escalonadas é inconstitucional, posto inexistir anterior previsão na Constituição Estadual, e por entender que o legislador estadual, ao fazer remissão à Reforma Previdenciária da União, renuncia à autonomia federativa do ente;

- Há efeito confiscatório na escala progressiva de alíquotas, o qual deve ser analisado levando em conta toda a carga tributária imposta;

- Inexiste estudo atuarial apto a fundamentar a Reforma da Previdência Estadual, visto que o estudo realizado pelo Banco do Brasil e o estudo fiscal feito pelo Estado não se prestariam para tal fim;

- As idades mínimas para aposentadoria voluntária, no âmbito dos Estados, devem ser veiculadas através de Emenda à Constituição Estadual, o que somente foi feito após a alteração ter sido empreendida pela LCE nº 15.429/2019, configurando constitucionalidade superveniente, o que não é admitido pela jurisprudência do STF;

- A decisão foi omissa quanto aos artigos 4°, 6° e 7° da EC n° 78/2020;

- É possível o afastamento liminar das regras de transição relativas à vigência dos benefícios de aposentadoria e pensão, uma vez que não haverá lacuna normativa, mas sim aplicação do regime jurídico antes vigente.

Decisão

Conforme o Desembargador Eduardo Uhlein, “as normas liminarmente afastadas cuidam da modificação da base de cálculo dos inativos e pensionistas, fazendo incidir contribuição sobre os valores que superam o salário-mínimo, e da regra de transição atinente aos requisitos etários para os beneficiários de pensão por morte e aposentadoria. No pedido, as entidades pedem que outros dispositivos das leis sejam suspensos.

O Governo do Estado afirmou que o processo deve ser suspenso pois a mesma controvérsia constitucional está pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal. Com relação a esse argumento, o Desembargador Uhlein destaca que as ações que tramitam no STF possuem como objeto a Emenda à Constituição Federal nº 103/2019. “Nesse contexto, o trâmite daquelas não prejudica o processamento e julgamento desta, desde que limitada sua cognoscibilidade às questões que respeitam o parâmetro de controle reservado a este Tribunal de Justiça”.

Com relação ao mérito do pedido cautelar, o Desembargador Uhlein afirma que não existe norma legal que exija prévia autorização constitucional do respectivo ente federado para instituir as alíquotas progressivas, “bastando que a previsão seja veiculada em lei formal, o que foi feito pelo Estado do Rio Grande do Sul”. Também entende que “a progressividade das alíquotas das contribuições para custeio do RPPS/RS harmoniza-se com a busca do equilíbrio financeiro e atuarial do Regime, assim como representa importante instrumento de concretização do princípio constitucional-tributário da capacidade contributiva”.

“Nesse contexto, não possui relevo o precedente colacionado pelos agravantes – que conclui pela existência de efeito confiscatório da progressividade para as alíquotas das contribuições previdenciárias dos servidores públicos –, uma vez que é anterior à EC nº 103/2019, a qual expressamente conferiu amparo constitucional – presumidamente legítimo – para essa forma de cobrança”, ressalta o relator.

Autonomia

Na ação, as entidades representativas de classe também apontam que o legislador estadual, ao fazer remissão à Reforma Previdenciária da União, renunciou à autonomia federativa do ente. Com relação ao argumento, o relator afirmou que “se o Legislativo Estadual optou por adotar o modelo federal, através de expressa remissão ao regramento da União, no que toca a alguns pontos da Reforma Previdenciária, penso que se trata de opção político-legislativa válida, a expressar justamente sua autonomia administrativa, sem que esse proceder sugira eventual inconstitucionalidade”.

Para o magistrado, não há renúncia da autonomia política ou administrativa, tampouco da competência legislativa em si. “Houve, sim, a utilização da autonomia para selecionar a política legislativa que mais se revelou adequada, no momento presente, ao interesse público e aos anseios dos administrados. Se os representantes legislativos entendem como mais adequada a uniformização da legislação estadual com a normatização federal, penso não haver, no ponto, lugar para intervenção do Judiciário”. E conclui que “caso futura alteração no modelo federal não se coadune com os interesses do Estado, nada impede que o legislador estadual empreenda as modificações necessárias, o que não passará, exatamente, do exercício de sua autonomia político-administrativa”.

Efeito confiscatório

Conforme o relator, os argumentos apresentados pelas entidades de classe, tanto na petição inicial, como nas razões do agravo interno, não conseguiram comprovar “concretamente” a existência de efeito confiscatório, sendo um “conceito jurídico indeterminado, devendo ser analisado caso a caso e balizado de acordo com a razoabilidade e proporcionalidade”.

No voto, Uhlein aponta que, pelas informações dos autos do processo, “cada alíquota irá incidir sobre uma correspondente faixa remuneratória, e a alíquota subsequente irá incidir somente sobre os valores que ultrapassarem a faixa anterior, do mesmo modo como ocorre com o imposto de renda. O resultado é que, ao final, o percentual a ser efetivamente descontado do servidor é inferior à alíquota prevista no texto normativo”.

“Assim sendo, nos casos dos contribuintes inseridos na maior faixa salarial/de benefício houve majoração do desconto percentual de 14% para 16,37%. Esse aumento de 2,37 pontos percentuais não representa flagrante efeito confiscatório ou violação do direito de propriedade, ao menos para ser reconhecido em sede de liminar. Ademais, nota-se que a inovação legislativa resultou na redução do montante a ser recolhido pelos contribuintes de menor remuneração”.

Estudo atuarial

Com relação à alegação de inexistência de estudo atuarial adequado, o Desembargador destaca que “o déficit atuarial do Regime Próprio de Previdência dos Servidores do Estado do Rio Grande do Sul, que motivou a reforma empreendida, é dado de conhecimento geral e se encontra apropriadamente demonstrado no site do IPE-PREV”

“Nesse contexto, a princípio, esses dados se mostram suficientes para exteriorizar situação de desequilíbrio financeiro e atuarial capaz de justificar as medidas de reavaliação das fontes de custeio do RPPS/RS – no afã de sanar a insuficiência de receita –, assim como de fundamentar novos métodos de diminuição de despesa – através da postergação da concessão de benefícios, redução do período de concessão, dentre outras medidas –, no afã de alcançar a autossuficiência do sistema, esquivando-se da autofagia”

Requisitos de idade para aposentadoria

Com relação às idades mínimas para aposentadoria e pensão por morte, os autores do recurso afirmam que, “no âmbito dos Estados, as regras devem ser veiculadas através de Emenda à Constituição Estadual (artigo 40, §1º, inciso III, da Constituição Federal), e que tal inclusão somente foi feita na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul após a alteração já ter sido empreendida pela LCE nº 15.429/2019. Entendem que restaria configurado o fenômeno da constitucionalidade superveniente, que é rechaçado pela jurisprudência do STF”.

Para o relator, de fato, a Constituição Federal reserva ao estabelecimento por emenda à Constituição dos Estados membros o poder de fixar a idade mínima para aposentadoria voluntária no âmbito dos Estados. “Nada obstante, tendo em vista que já em vigor as supervenientes disposições da Emenda Constitucional nº 78/2020 que se prestam a tal fim, mostrar-se-ia temerário, em juízo de cognição sumária, afastar os dispositivos da LCE nº 15.429/2019, que se apresentam em perfeita harmonia com a atual (e a ela superveniente) redação da Constituição Estadual”.

O magistrado aponta ainda que o artigo 8º da EC nº 78/2020 prevê que, antes da sua entrada em vigor, as idades mínimas aplicáveis para a concessão de aposentadoria serão aquelas previstas na Constituição Federal.

“Nada obstante a relevância dos fundamentos apresentados nesse ponto, mantenho a posição adotada na decisão recorrida”, decidiu o Desembargador Uhlein.

Assim, por unanimidade dos Desembargadores do Órgão Especial, foi negado provimento ao recurso. O mesmo resultado ocorreu em relação aos recursos apresentados pela Mesa da Assembleia Legislativa e pelo Governador do Estado contra a liminar do Relator, na parte em que suspendeu a aplicação da nova base de cálculo das alíquotas previdenciárias para inativos e pensionistas (o que se encontra atualmente suspenso por decisão do Ministro Presidente do STF). Em data próxima, o Órgão Especial deverá julgar o mérito das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Processo nº 7008423577

Fonte: TJRS
Crédito: NiseriN/iStock