Artigo: Mais um calote? PEC 66 é aprovada e adia novamente o pagamento dos precatórios

A Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição 66/2023, que altera as regras de pagamento de precatórios por estados e municípios. A votação, concluída no dia 16 de julho, teve 404 votos favoráveis. A proposta já havia sido aprovada em primeiro turno no Senado e agora segue para promulgação.

A CNSP acompanhou de perto todas as etapas da tramitação e atuou firmemente contra os principais dispositivos da PEC, por entender que ela representa mais um capítulo do histórico de desrespeito a decisões judiciais e de fragilização dos direitos dos credores, em especial servidores públicos aposentados, idosos e pessoas com doenças graves.

A proposta autoriza que, a partir de 2036, os entes federativos posterguem os pagamentos a cada dez anos, de forma indefinida, sempre que houver estoque de dívidas. Além disso, altera a forma de atualização dos valores, impondo correção pelo IPCA com juros simples de apenas 2% ao ano. E, se essa fórmula gerar um valor maior que a taxa Selic, prevalece a Selic — o que, na prática, tende a reduzir ainda mais o valor final recebido pelos credores.

A leitura da CNSP é clara: a PEC 66 não resolve o problema fiscal do país, apenas empurra para as próximas décadas uma dívida que é legítima, reconhecida judicialmente e que deveria ser tratada com responsabilidade. O argumento da sustentabilidade das contas públicas não pode servir como justificativa para descumprir decisões do Judiciário. A segurança jurídica e a confiança nas instituições estão em jogo.

Outro ponto de preocupação é a banalização das moratórias. Só nos últimos 15 anos, o Brasil aprovou sete PECs postergando ou alterando o pagamento dos precatórios. Com a nova regra, oficializa-se o “calote rotativo”, como vem sendo chamado, institucionalizando uma prática que prejudica quem já esperou anos por uma reparação — e agora verá seus direitos cada vez mais distantes, ou desvalorizados.

Mas nem tudo foi retrocesso. Após intensa mobilização de entidades como a CNSP, alguns pontos foram barrados durante a tramitação. Um deles previa alterações nas regras previdenciárias dos municípios, o que afetaria diretamente os servidores públicos municipais. Outro tentava permitir manobras contábeis por meio da inclusão de créditos suplementares no cálculo do teto de despesas. Ambos foram rejeitados — um avanço parcial que demonstra a importância da articulação institucional.


A CNSP segue firme na sua missão de defesa do servidor público e da legalidade. Estamos avaliando, por meio de nossa assessoria jurídica, a possibilidade de uma nova ação no Supremo Tribunal Federal para contestar os trechos da emenda que consideramos inconstitucionais. Também continuaremos pressionando por medidas que tragam previsibilidade, responsabilidade e respeito ao cidadão que espera, muitas vezes até o fim da vida, por valores que lhe são devidos.

Para ampliar essa análise e registrar a indignação, publicamos abaixo o artigo do diretor jurídico da CNSP, Dr. Julio Bonafonte, escrito logo após a votação na Câmara:


A SAGA DO PRECATÓRIO SE TRANSFORMOU EM TRAGÉDIA DO CALOTE INFINITO

APROVAÇÃO DA PEC 66/2023
Por Julio Bonafonte | Diretor Jurídico da CNSP

A PEC 66/2023 da lavra do Senador "ficha suja" Jader Barbalho, que mereceu do Jornal Estadão a matéria: "Nova Farra dos Precatórios" de 07/10/2024, por incrível que pareça, sem alarde, foi aprovada por 404 votos favoráveis na Câmara Federal em 2 turnos e 62 votos no Senado Federal no primeiro turno.

A inconstitucional proposta e, por incrível que pareça, inimaginável calote infinito dos precatórios, não só para os 5.570 Municípios, mas também incluiu “jaboticadamente" os Estados.

Estive presente no Plenário da Câmara Federal até 22h00, quando encerrou a votação, tentei argumentar com Deputados e Prefeitos, mas como era um "jogo de cartas marcadas", nada adiantou. E o que é pior, tive o desprazer de conhecer o atual processo legislativo, que de acordo com o regimento, estabeleceu votação híbrida (não estou falando de carro elétrico e a gasolina), mas sim, de um texto constitucional, que envolve milhares de credores de precatórios, especialmente os de natureza alimentar, que não irão receber em vida.

Para que quórum qualificado de 308 votos, 3/5 de 513, previsto na Constituição Federal? O que até então era presencial, neste caso não ocorreu, pois poucos Deputados estavam presentes quando o painel de votação apontou o quórum de 475, muitos votaram viajando de férias parlamentares, compondo esta maioria.

Ainda ocorrerá a votação do segundo turno no Senado Federal, mas que nada irá alterar, motivo pelo qual, estou me antecipando, exalando a minha revolta e quando promulgada a Emenda, voltarei ao assunto, mas desde já quero registrar a minha indignação em nome dos credores de precatórios alimentares.

Aprovaram absurdamente e de forma inconstitucional redação com a redução dos percentuais de receita corrente líquida, o calote no tempo, sendo que a partir de 1º de janeiro de 2036, a cada período subsequente de 10 anos, caso seja verificada a existência de estoque de precatórios em mora, poderá se estender o prazo, chegando a 2046, 2056, e assim por diante, em calote infinito, constantes no inciso IX, § 24, do art. 100.

Ainda, no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabeleceram:

§ 16. A partir de 1º de agosto de 2025, a atualização de valores de requisitórios expedidos contra os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a partir da sua expedição até o efetivo pagamento, será feita pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e, para fins de compensação da mora, desde a expedição, incidirão juros simples de 2% a.a. (dois por cento ao ano), ficando excluída a incidência de juros compensatórios.

§ 16-A. Caso o índice de atualização e juros calculado nos termos do § 16 deste artigo represente valor superior à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), esta deve ser aplicada em substituição àquele.

Que país é esse? Onde não se cumpre decisão judicial, Constituição Federal e não se respeita o Supremo Tribunal Federal. Sem dúvida é o Brasil detentor do título de país da impunidade, que labora PECs como a 66/2023, espelhando a insegurança jurídica.

Na ADI 4357/4425, Tema 810, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela atualização dos precatórios com base no IPCA-E + juros de 6% ao ano, sepultando a “maldita” Taxa Referencial - TR – art. 5º da Lei 11.960/2009, e eles hoje ressuscitam com o nome de IPCA e juros de 2% ao ano.

Repita-se, é o sétimo calote e não é “conta de mentiroso”:

  1. 62/2009: Moratória de 15 anos, que foi objeto da ADI 4357;

  2. 94/2016: Moratória de 5 anos, prorrogando o prazo de 2016 a 01/12/2020;

  3. 99/2017: Moratória de 4 anos, ou seja, de 2020 até 31/12/2024;

  4. 109/2021: Moratória de 5 anos, alterando de 2024 para 2029;

  5. 113/2021: Alteração da atualização monetária do índice IPCA-E para Taxa Selic;

  6. 114/2021: Alteração da data de inclusão orçamentária de 1º de julho para 02 de abril;

  7. PEC 66/2023: Nova moratória a cada 10 anos a partir de 2036, substituição da taxa Selic para IPCA e juros de mora de 2% ao ano para Prefeitos e Governadores.

Basta fazer o cálculo de atualização, que irá perceber que mesmo a TR + 6% de juros ao ano, é maior do que IPCA + juros de 2% ao ano, mesmo sem considerar o IPCA-E.

Sem dúvida alguma, vamos aguardar a promulgação da emenda para propor nova Arguição Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, mas alerto desde já que a Emenda Constitucional 109/2021, que também trata de precatório com calote até 2029, encontra-se “sub judice”, o que indicaria não ser possível uma nova, se estendendo a 2036, 2046, 2056, com a agravante de que as emendas anteriores, que a Corte Maior estabeleceu prazo para pagamento até 2024, não foram cumpridas.

A saga do precatório, diante do “estupro” do crédito aos idosos e portadores de doença grave, caracteriza um verdadeiro “precatoricídio financeiro”, com a morte de milhares, sem receber em vida o legítimo direito.

 

Um abraço,
Julio Bonafonte
17/07/2025

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